‘Se não reescrevermos, a ONU morrerá’, diz diretora em visita ao Brasil por reforma da Carta da ONU
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‘Se não reescrevermos, a ONU morrerá’, diz diretora em visita ao Brasil por reforma da Carta da ONU

Diretora da Coalizão para a Reforma da Carta da ONU, Heba Aly, está em visita ao Brasil, em reuniões para a busca de apoio para a iniciativa. A diretora da Coalizão para a Reforma da Carta da ONU, Heba Aly, está em visita ao Brasil, em reuniões para a busca de apoio para a iniciativa. Aly conversou com a TV Globo, no Palácio Itamaraty, onde participou de um destes encontros.
O Brasil é um dos países que defendem a reforma. No ano passado, durante abertura da reunião ministerial do G20, em Nova York, nos Estados Unidos, o presidente Lula apresentou uma proposta de convocação de uma conferência de revisão da Carta.
“Devido à posição que o presidente Lula assumiu, o Brasil é visto como um líder nesta arena”, disse Heba Aly, que também se reuniu com o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim. “A mensagem geral foi que o Brasil apoia muito esta agenda e esperamos trabalhar juntos de perto para impulsioná-la”, ressaltou.
A diretora da Coalizão para a Reforma da Carta da ONU, Heba Aly, está em visita ao Brasil
Reprodução
O tema é complexo e discutido há anos, motivado principalmente pela percepção de que a estrutura atual da ONU, concebida em 1945, não reflete mais adequadamente as realidades geopolíticas, econômicas e sociais do século XXI.
“A premissa é que esta constituição de nossas relações internacionais foi redigida em 1945, numa época em que o mundo era muito diferente e enfrentava desafios distintos”, afirmou Aly. “Precisamos atualizar e renovar esse documento para que as Nações Unidas permaneçam relevantes hoje.”
Heba Aly apontou a “incapacidade de deter as guerras na Ucrânia e em Gaza” como o exemplo mais recente e gritante de que o sistema de segurança global não está funcionando. “A paralisia no Conselho de Segurança está literalmente custando vidas”, afirmou.
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Além dos conflitos, outros desafios globais evidenciam a urgência da reforma. Aly enfatizou que a palavra “meio ambiente” não aparece na Carta da ONU, um documento anterior às preocupações com as mudanças climáticas, a era digital e a tecnologia nuclear.
“Estamos num mundo interdependente, e precisamos nos concentrar muito mais em como trabalhamos coletivamente para resolver desafios comuns, do que em como protegemos nossas fronteiras nacionais”, explicou.
Uma das propostas em discussão, inclusive defendida pelo Brasil, é a criação de um Conselho Climático, nos moldes do Conselho de Segurança, para uma governança mais centralizada e aplicável das questões climáticas.
Veja outros trechos da entrevista:
Por que a estrutura atual não funciona?
Para Aly, a frustração de muitos países reside na percepção de que o sistema é dominado por cinco nações que venceram uma guerra há 80 anos e que não representam as potências de hoje. Essa assimetria de poder é um dos principais motivadores para a reforma.
Outras propostas incluem a eleição do Secretário-Geral da ONU de forma mais transparente e justa, e um maior papel para a sociedade civil. “A Carta da ONU começa com a frase ‘Nós, os povos'”, lembrou Aly, “e, no entanto, as pessoas comuns têm muito pouco papel nisso.”
A ideia de introduzir uma assembleia parlamentar da ONU, onde as pessoas poderiam eleger seus representantes, como no Parlamento Europeu, também está em discussão.
Conselho de Segurança da ONU
Brendan McDermid/Reuters
Superando o antagonismo
A diretora da Coalizão para a Reforma da Carta da ONU reconheceu que o ambiente atual é polarizado, o que dificulta o processo de reforma. No entanto, ela vê nisso uma oportunidade: “Você não conserta algo a menos que haja um problema. E estamos com um grande problema agora.”
Para combater o sentimento anti-ONU, que, segundo Aly, surge da percepção de que a organização não atende às necessidades das pessoas, é fundamental mostrar como a governança global pode melhorar o dia a dia da população. “Precisamos traçar os links entre, por exemplo, uma melhor governança das mudanças climáticas e os benefícios para o agricultor comum”, exemplificou.
“Reformar a ONU é, na verdade, uma forma de salvá-la e mostrar aos públicos que ela pode desempenhar um papel em suas vidas”, enfatizou.
Momento decisivo
Heba Aly acredita que há um “momento especial” para impulsionar a reforma. “Estamos testemunhando a ordem internacional desmoronar diante de nossos olhos”, alertou. “Nesse contexto, as pessoas estão agora se perguntando: ‘Bem, o que virá a seguir?'”
A urgência é palpável: “Até mesmo há um ano, era mais difícil dizer: ‘Vamos reescrever a Carta da ONU’, porque sempre há o medo de que ‘e se acabarmos com algo pior?’ Mas agora sabemos que, se não a reescrevermos, a ONU morrerá.”
A Coalizão para a Reforma da Carta da ONU está empenhada em ativar o Artigo 109 da própria Carta, que prevê a convocação de uma conferência de revisão por maioria de dois terços da Assembleia Geral. Este mecanismo, uma concessão feita pelos redatores em 1945 devido à oposição ao poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança, nunca foi utilizado.
“A ONU sempre foi concebida para ser um documento vivo, e a ONU como instituição sempre foi concebida para evoluir à medida que o mundo mudava”, explicou Aly. “E, no entanto, estamos agora celebrando o 80º aniversário da ONU, e este mecanismo de revisão embutido nunca foi usado.”
Próximos passos
A expectativa da Coalizão é que haja uma reunião em nível ministerial na Assembleia Geral da ONU em setembro, entre os Estados-membros mais comprometidos com a ideia, para começar a traçar estratégias e, eventualmente, lançar um grupo de amigos de Estados-membros dedicados a avançar a questão.
Aly espera uma ONU que seja “eficaz e equitativa”, capaz de resolver conflitos, prevenir crises e garantir que não haja milhares de mortes sem ação da comunidade internacional.
“Se não acreditarmos que algum tipo de instituição é necessária para criar um contrato social entre os países, e se reconhecermos que a que temos hoje não é funcional e não está operando de forma otimizada, o que precisamos fazer para criar o sistema do futuro e como podemos começar agora?”, questionou Heba Aly, convidando à reflexão sobre o futuro da governança global.

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