Raul Seixas, que faria 80 anos, continua vivo com aura mitológica alimentada por obra imune aos efeitos do tempo
5 mins read

Raul Seixas, que faria 80 anos, continua vivo com aura mitológica alimentada por obra imune aos efeitos do tempo

Raul Seixas (1945 – 1989) completaria 80 anos neste sábado, 28 de junho
Ariel Severino / Divulgação
♫ MEMÓRIA
♫ Como ele mesmo alardeava que nasceu há dez mil anos no verso-título de um sucesso de 1976, saber que Raul Santos Seixas (28 de junho de 1945 – 21 de agosto de 1989) completaria hoje 80 anos soa natural porque o artista baiano personifica há décadas um mito no imaginário roqueiro nacional. Um mito lendário que parece dissociado da contagem do tempo.
Série que estreou no Globoplay na quinta-feira, com o ator Ravel Andrade na pele do cantor, Raul Seixas – Eu sou conta em oito episódios a jornada do artista que, quatro anos após a revolução tropicalista feita pelo grupo Os Mutantes em 1968, consolidou a identidade nacional do rock ao expor afinidades do gênero com ritmos brasileiros como o baião, para citar somente um exemplo da alquimia sonora orquestrada por Raul a partir de 1972, muitas vezes em parceria com o mago Paulo Coelho, então produtivo letrista de música brasileira.
Raul Seixas idolatrava tanto o seminal roqueiro norte-americano Elvis Presley (1935 – 1977) quanto o patrício nordestino Luiz Gonzaga (1912 – 1989), rei do baião que curiosamente morreu no mesmo mês de agosto de 1989 em que Raul saiu de cena, aos breves 44 anos, para entrar na galeria dos mitos da música brasileira.
Em cena, Raul Seixas encarnou por vezes um personagem criado e alimentado por ele mesmo. O roqueiro rebelde e contestador dos shows e dos discos escondia personalidade sensível, por vezes insegura, até mesmo frágil.
A imagem cristalizada do artista pelos fiéis seguidores não se afina com o fato de que Raul chegava a tomar tranquilizantes para lidar com os executivos da gravadora CBS no período em que trabalhou como produtor musical da companhia fonográfica no início dos anos 1970, como revelou o guitarrista Jay Vaquer diante das câmeras do diretor Walter Carvalho em Raul – O início, o fim e o meio (2012), documentário que investigou o ser humano escondido atrás do mito, tal como faria o jornalista Jotabê Medeiros na biografia Raul Seixas – Não diga que a canção está perdida (2019).
Ouvinte de boleros que se converteu à rebeldia juvenil assim que ouviu o elétrico rock’n’roll de Elvis Presley e Little Richard (1932 – 2020), Raulzito liderou o conjunto Os Panteras na segunda metade da década de 1960 e, na sequência, como produtor de discos populares, compôs canções sentimentais para cantores como Jerry Adriani (1947 – 2017) e Diana (1948 – 2024).
Raulzito virou Raul Seixas a partir de1972, ano em que foi revelado em escala nacional na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC) ao defender Let me sing, let me sing, música que compusera com Nadine Wisner. Contudo, Raul somente começou a imprimir o próprio nome na música brasileira em 1973, ao lançar Krig,ha, bandolo!, disco perturbador, mosca que pousou no sopa rala do então incipiente rock brasileiro.
Marco inaugural da parceria do artista com Paulo Coelho, Krig,ha, bandolo! foi o primeiro dos quatro fundamentais álbuns lançados por Raul entre 1973 e 1976. Os discos Krig,ha, bandolo! (1973), Gita (1974), Novo aeon (1975) e Eu nasci há dez mil anos atrás (1976) contêm o suprassumo da obra autoral de Raul Seixas, criada com doses bem calculadas de critica social, irreverência e misticismo.
A partir de O dia em que a terra parou (1977), álbum que tem méritos embora seja menos potente do que os incisivos discos anteriores do cantor, a discografia do artista começou a soar irregular porque o artista estava mergulhado em excessos e porque a parceria com Paulo Coelho já havia desafinado por diferenças ideológicas e disputas de egos. Mas Raul Seixas já tinha impresso o nome na história e esse nome somente cresceu com o passar dos anos.
Sem falar que acertos eventuais de discos posteriores – como Aluga-se (1980), incisivo rock do álbum Abre-te Sésamo (1980), e como Cowboy fora da lei (1987), ambas músicas assinadas pelo compositor com o parceiro carioca Cláudio Roberto, também coautor do hino Maluco beleza (1977) – contribuíram para a idolatria em torno do nome de Raul Seixas, ainda em vida, mas sobretudo após a morte do artista.
Imune aos efeitos corrosivos do tempo, o cancioneiro do artista abafa as contradições e inseguranças do homem. Artista que se deixou consumir pelo álcool e pelas drogas (às quais teria sido apresentado pelo parceiro Paulo Coelho), em progressivo processo autodestrutivo, Raul Santos Seixas virou lenda. Cultuado por sucessivas novas gerações, o Maluco Beleza continua vivo pelo mito e pelo grau de lucidez, loucura, misticismo e crítica social expostas nas letras dos discos do consagrador período 1973 / 1976.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *