O irlandês que sobreviveu a queda de 200 metros em vulcão na Indonésia onde morreu Juliana Marins
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O irlandês que sobreviveu a queda de 200 metros em vulcão na Indonésia onde morreu Juliana Marins

A BBC News Brasil conversou com Paul Farrell, irlandês que sofreu um acidente no mesmo vulcão da Indonésia onde a brasileira Juliana Marins morreu. Menos de um ano após a experiência, ele conta como sua vida mudou completamente.
Alpinista mostra como equipe de resgate passou a noite em penhasco na Indonésia
O irlandês Paul Farrell, de 32 anos, passou por uma experiência que começou muito parecida com a da publicitária brasileira Juliana Marins, que morreu após cair durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia.
Em outubro do ano passado, ele fazia o mesmo passeio quando sofreu um acidente e caiu cerca de 200 metros num terreno inclinado e cheio de perigos.
Farrell se lembra de ter acordado nas primeiras horas da madrugada no acampamento-base para fazer a trilha. Segundo ele, a primeira parte do trajeto foi tranquila, apesar da dificuldade para atingir o cume.
“O chão ali é diferente, do tipo que você parece dar um passo pra frente e dois para trás. Pelo fato de estarmos num vulcão, o terreno é arenoso e você pode afundar os pés”, descreve ele, em entrevista à BBC News Brasil.
Após chegar ao topo do monte, Farrell fazia o caminho de volta quando ficou incomodado com a quantidade de pequenos pedregulhos que se acumulavam dentro dos tênis que calçava.
“A situação estava desconfortável, então decidi remover os tênis para limpá-los. Para fazer isso, tirei as luvas que usava nas mãos, apenas para facilitar esse trabalho”, conta ele, que nasceu na cidade de Sligo, na costa sudoeste da Irlanda.
Tudo corria bem quando uma rajada de vento fez as luvas voarem em direção ao vulcão.
“Nessa hora, eu ajoelhei. E o chão onde eu pisava simplesmente desabou.”
Farrell caiu ribanceira abaixo e diz ter entrado num “modo sobrevivência”.
“A velocidade com que eu caía só aumentava, a adrenalina estava a mil. Eu concluí rapidamente que poderia morrer a qualquer momento.”
O irlandês Paul Farrell no pico do Rinjani
Reprodução
Abrigo provisório e espera
O irlandês conta que a única alternativa naquela situação era encontrar alguma pedra maior onde ele pudesse se agarrar, para interromper a queda acelerada pelo terreno inclinado.
“Eu tentava enfiar minhas unhas, minhas mãos, em qualquer coisa, apenas para desacelerar. Até que vislumbrei uma grande rocha, quase um rochedo, e tentei desviar meu caminho naquela direção.”
“Eu me choquei contra a pedra, mas felizmente consegui frear a descida.”
Farrell parou a cerca de 200 metros de profundidade. Ali, conseguiu retomar o fôlego e conferir que, apesar de tudo que passou, tinha sofrido apenas alguns cortes e arranhões.
“Mesmo assim, eu não estava em segurança. Naquele lugar, você pode escorregar a qualquer momento.”
Farrell disse que fez a trilha toda com um grupo. Mas, naquele momento específico, havia apenas uma mulher francesa perto dele — que felizmente testemunhou toda a cena.
“Eu gritei com toda a força dos meus pulmões para que ela encontrasse o restante da equipe e buscasse ajuda. Então ela correu de volta ao acampamento-base e avisou as pessoas”, detalha ele.
O irlandês estima que permaneceu naquela rocha por cerca de cinco a seis horas, até a chegada do resgate.
“Foi obviamente muito assustador. Eu rezava a Deus para sair dali vivo, ou com apenas alguns ossos quebrados.”
“Pra ser sincero, eu aceitaria quebrar um braço, uma perna, ou todos os meus ossos para deixar aquela situação. Se eu precisasse fazer um pacto com Deus ou com o Diabo para sair dali com vida, eu faria.”
Farrell disse que uma equipe de alpinistas profissionais tentou fazer uma corda improvisada, com roupas amarradas umas nas outras, para tentar içá-lo.
Mas o terreno não permitiu que ele saísse da rocha com segurança, sob risco de afundar ainda mais.
‘Alívio absoluto’
Passadas as cinco horas, a equipe de resgate que atua na região finalmente conseguiu removê-lo do local.
Aliás, segundo o relato dos próprios socorristas a Farrell, eles estavam nas proximidades para remover o corpo de uma vítima de um outro acidente.
Quando finalmente se viu livre daquela situação, o irlandês disse que sentiu “um alívio absoluto”.
“Estava muito grato e cheio de energia”, descreve ele.
“Eu adoro adrenalina e esportes radicais, mas essa foi uma situação que ficou muito perto do limite”, admite Farrell.
Questionado pela BBC News Brasil se considera importante aumentar a segurança nas trilhas que rodeiam esse vulcão indonésio, ele fez uma série de ponderações e sugestões.
“Em primeiro lugar, gostaria de lamentar a morte da Juliana e prestar minha solidariedade à família dela neste momento.”
Juliana Marins
Reprodução/redes sociais
“Sobre melhorias, precisamos considerar que a Indonésia é um país pobre, com menos recursos. Mas naturalmente mais dinheiro deveria ser investido para aumentar a segurança ali”, opina ele.
“De repente eles poderiam subir a taxa cobrada para visitar o local.”
“Ou garantir que cada grupo tenha pelo menos dois guias, para que um deles permaneça na retaguarda e possa oferecer algum tipo de suporte para as pessoas que sentem algum mal-estar e ficam para trás, como parece ter sido o caso de Juliana”, sugere Farrell.
Novas perspectivas para a vida
Perguntado pela reportagem se faria a trilha pelo Monte Rinjani novamente, o irlandês não demorou a responder.
“Sem dúvidas. Eu seria mais cauteloso numa segunda vez, mas subir montanhas é algo que quero fazer pelo resto de minha vida, até quando for capaz.”
O irlandês garante que a experiência de ficar tão próximo da morte mudou completamente a forma como ele enxerga a vida.
“É muito raro que pessoas sobrevivam a acidentes como este, infelizmente. Mas quando você se vê vivo depois de passar por isso, começa a pensar no que é realmente importante”, reflete Farrell, que concedeu a entrevista à BBC News Brasil direto de um retiro de yoga e meditação localizado na Índia.
“Desde que sofri o acidente, minha conexão com Deus está muito melhor. Agora tento viver a vida de um jeito mais alinhado aos valores que realmente são centrais para mim”, conclui ele.
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