
‘Travesti, negra e acadêmica’: 1ª aluna a entrar na Unicamp por cotas trans transformou relação com os pais por meio da educação
Em 2021, Elis Rosa ingressou no programa de pós-graduação de Antropologia Social da Unicamp, o primeiro a ter uma política de cotas para pessoas trans. Ela acaba de defender seu mestrado, que investiga a importância que o nome tem para essa comunidade. 1ª aluna a entrar na Unicamp por cotas trans mudou relação com os pais através da educação
Foi aos 21 anos que Elis Rosa se descobriu trans. Na época, ela ainda se identificava como um menino gay e estudava direito em uma faculdade de Indaiatuba, no interior de São Paulo.
Aos 25, ela fez história ao se tornar a primeira travesti negra a ingressar na pós-graduação da Unicamp por meio da política de cotas para pessoas trans. [Leia abaixo mais detalhes.]
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De família simples — com pais com pouca escolaridade e sem conhecimento sobre a população trans — ela encontrou nas amigas o apoio necessário para começar suas “experimentações”.
“Comecei a colocar um brinco, uma saia, uma blusa mais diferente, me maquiar”, conta a estudante, que acaba de defender sua dissertação de mestrado na Unicamp, cuja pesquisa é em torno da importância do nome para a comunidade trans.
A transição não foi um processo fácil e aconteceu aos poucos. Ela chegou a ter medo de sair na rua quando começou a usar roupas diferentes das que estava acostumada.
“Eu colocava uma saia e uma camiseta mais ‘masculina’. E, aí, tentava sair na rua, mas não conseguia. Ficava com medo, assim, um pouco aflita. Daí, eu voltava para a minha casa, deitava na cama e me escondia. A transição foi um processo muito intenso. Às vezes é muito transformador e libertador, mas também dá medo, angústia, aflições, sabe?”, relembra Elis Rosa.
Rodeada por uma comunidade LGBTQIAPN+, ela foi encontrando cada vez mais força para assumir sua identidade. Nesse processo, a escolha do seu nome se deu como um renascimento. [Veja galeria de fotos ao final da reportagem]
A “gestação” do nome
“Eu costumo dizer que eu não escolhi meu primeiro nome, foi ele que me escolheu”, conta. O nome Elis surgiu “flutuando” espontaneamente em suas centenas de anotações durante a faculdade. Em um certo dia, ela resolveu escrevê-lo bem grande na parede do seu quarto. Foi quando ela soube que Elis era seu nome.
Já o “Rosa” é uma homenagem à bisavó, à orientadora da graduação e também à natureza. “Eu adoro as rosas. Sensíveis, fortes, mas que também têm espinhos. Simboliza muito quem eu sou.” Uma tatuagem de rosa na perna consagrou o batismo.
“Quando a gente escolhe o nome, a gente recomeça nossa história na Terra”, enfatiza.
Para ela, o nome vai além de uma formalidade. Não à toa, ela investiga esse tema desde a faculdade. Começou pelo nome social durante o TCC em Direito; e se aprofundou na retificação do nome, em seu mestrado em Antropologia Social.
Universidade como território de disputa
Elis Rosa dos Santos Simão fez história ao se tornar a primeira travesti negra a ingressar na Unicamp por meio da política de cotas para pessoas trans. O ingresso se deu em 2021, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) que, à época foi o primeiro da universidade a aprovar essa política de ação afirmativa.
Na Unicamp, cada instituto ou faculdade tem autonomia para definir quais cotas irá adotar na pós-graduação. Isso permitiu, por exemplo, que o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social implementasse a política de cotas para pessoas trans, mesmo antes de outros programas da universidade aderirem à política.
No entanto, essa lógica não se aplica à graduação, em que as decisões precisam ser tomadas de forma unificada pela instituição como um todo. Por isso, as cotas para pessoas trans só foram aprovadas em 2025, tornando a Unicamp a primeira universidade estadual de São Paulo a adotar essa política no vestibular. A conquista foi resultado de uma forte mobilização estudantil, com apoio também de servidores e docentes.
“É uma forma de reparação histórica. Por tanto tempo fomos excluídas desses espaços. As cotas nos permitem ocupar a universidade com nossos corpos, nossas epistemologias, nossa forma de lidar com o conhecimento”, defende Elis.
Para Michel Nicolau Neto, diretor-associado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), políticas afirmativas como essa beneficiam não só os estudantes contemplados, mas toda a universidade.
“São pessoas que trazem experiências únicas, um saber específico e uma produção de conhecimento refinada, que amplia e diversifica o ambiente acadêmico”, afirma o diretor.
Retificado seja o vosso nome
A pesquisadora Elis Rosa defendeu sua tese de mestrado em 2025 na Unicamp
Arquivo pessoal
A experiência pessoal de Elis virou objeto de pesquisa. Em sua dissertação de mestrado — intitulada “Retificado seja o vosso nome: uma etnografia sobre processos de nomeação na vida de pessoas trans e travestis” —, ela investiga os aspectos burocráticos, políticos e subjetivos envolvidos na escolha e retificação do nome.
“O título da dissertação é quase uma oração, não para um deus, mas para o Estado. Nós clamamos que nosso nome seja reconhecido”, relata a pesquisadora.
A autora acredita que o nome reflete identidade e dignidade. O reconhecimento pelo Estado dá força para enfrentar uma sociedade transfóbica.
“Nome de guerra”, nome social e retificação do nome
A pesquisa investiga a importância de mecanismos como: “nome de guerra”, nome social e a retificação do nome. Entenda o que é cada um desses conceitos, nas palavras da própria Elis Rosa.
“Nome de guerra”: é o nome utilizado pelas pessoas trans e também por mulheres cis no contexto da prostituição. No caso de pessoas trans, a nomeação geralmente é feita por travestis mais velhas, com base nas características físicas ou de personalidade da pessoa. Pode ocorrer de a pessoa se identificar a ponto de usá-lo também em outros contextos.
Nome social: é o nome escolhido por pessoas trans para serem reconhecidas socialmente, nas relações. Não é um apelido, nem um pseudônimo, é uma política específica voltada para pessoas trans. Pessoas cis não utilizam nome social. Pode ser acrescentado a alguns documentos, sem alterar substancialmente o original.
Retificação do nome: os documentos são alterados, sem nenhum sinal do nome anterior (ou “nome morto”). Desde 2018, pode ser feita em cartório por autodeclaração.
A retificação do nome em cartório foi um marco importante definido pelo STF. Antes disso, as pessoas trans que queriam ter seus nomes alterados em documentos tinham que abrir uma ação judicial e apresentar uma série de laudos (aos quais muitas pessoas nem tinham acesso) para o juizado decidir se elas estavam aptas ou não a alterar nome e gênero.
“Era um processo muito complexo, desgastante e humilhante também”, conta Elis.
Para Elis Rosa, a retificação é muito importante, pois é a sua identidade sendo reconhecida pelo Estado.
“É quem nós somos sendo reconhecidos pelo Estado. Independentemente do órgão genital, nós vamos lá e reivindicamos quem nós somos a partir da nossa auto-percepção de gênero. Isso nos traz dignidade, nos traz força, nos encoraja a enfrentar as adversidades dessa sociedade transfóbica. Traz uma tranquilidade você apresentar um documento que reflete a sua identidade”, desabafa a autora.
Certidão retificada da antropóloga Elis Rosa
Arquivo Pessoal
Da dor à potência: nomear é existir
Uma das pessoas analisadas na pesquisa de Elis foi Neon Cunha que, em 2016, acionou a Justiça para mudar o nome e gênero em um processo que ficou reconhecido internacionalmente.
Ela não tinha laudos nem cirurgias – exigências comuns à época e que hoje são consideradas invasivas. Como pedido subsidiário, solicitou o direito à morte assistida caso o Estado não reconhecesse seu nome e identidade.
“Ela tensionou os limites do direito. Preferia morrer a viver sem reconhecimento. Isso diz muito sobre o que está em jogo quando se nega a uma pessoa o direito de ser quem é”, analisa a antropóloga.
A estratégia política de Neon contribuiu para impulsionar o debate público que resultaria, dois anos depois, na decisão tomada pelo STF.
Além de Neon Cunha, ela também teve como interlocutoras em sua dissertação: Erika Hilton, Carolina Iara e Pedro Ferreira, já que todos eles passaram pelo uso do nome social e pela retificação em algum momento.
Transfobia nos ambientes institucionais
Apesar dos avanços, a autora considera a retificação apenas o começo e ressalta que os processos seguintes ainda precisam ser aprimorados.
“Há o custo da retificação, que muitas pessoas trans não conseguem pagar. E há a transfobia institucional. Acompanhei uma amiga em um cartório onde, mesmo ela sendo uma mulher trans, foi tratada no masculino pela atendente. Isso é transfobia”, relata.
Elis Rosa também denuncia o que chama de “lógica da suspeição”: “Mesmo sendo um direito por autodeclaração, somos tratadas com desconfiança. Como se nossa identidade fosse uma farsa.”
Para ela, todas as pessoas que trabalham em instituições com o público deveriam passar por um treinamento para evitar constrangimentos e preconceitos, especialmente contra a população LGBTQIAPN+.
A educação transforma o estigma
Filha de uma família preta, pobre e trabalhadora de Indaiatuba (SP), Elis Rosa enfrentou resistência ao iniciar a transição. “Minha mãe chorou quando contei. Meu pai ficou furioso. Ainda existe muito estigma, sobretudo sobre as travestis”, relembra Elis Rosa.
O processo foi doloroso, com muitas brigas, conflitos e “chororô”, mas evoluiu com o tempo. Bem, não apenas o tempo, mas também pela trajetória acadêmica de Elis, que contribuiu para transformar a percepção da família.
“Me ver evoluindo, assim, educacionalmente, fez com que meu pai olhasse pra minha identidade de uma forma mais positiva”, conta Elis Rosa.
Sua mãe, sua tia e suas irmãs assistiram à defesa de sua dissertação, em fevereiro deste ano na Unicamp. O pai não foi porque estava trabalhando, mas também deu apoio.
Apesar de não entender todo o “academiquês”, elas estavam lá orgulhosas, sendo uma rede de afeto e apoio importante para a estudante que, depois de se tornar mestre, agora já ingressou no doutorado.
Com orgulho, hoje ela diz: “Sou travesti, negra e acadêmica”.
Galeria de fotos
Foi aos 21 anos que Elis Rosa se descobriu trans. Na época, ela ainda se identificava como um menino gay e estudava direito em uma faculdade de Indaiatuba, no interior de São Paulo.
Aos 25, ela fez história ao se tornar a primeira travesti negra a ingressar na pós-graduação da Unicamp por meio da política de cotas para pessoas trans. [Leia abaixo mais detalhes.]
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De família simples — com pais com pouca escolaridade e sem conhecimento sobre a população trans — ela encontrou nas amigas o apoio necessário para começar suas “experimentações”.
“Comecei a colocar um brinco, uma saia, uma blusa mais diferente, me maquiar”, conta a estudante, que acaba de defender sua dissertação de mestrado na Unicamp, cuja pesquisa é em torno da importância do nome para a comunidade trans.
A transição não foi um processo fácil e aconteceu aos poucos. Ela chegou a ter medo de sair na rua quando começou a usar roupas diferentes das que estava acostumada.
“Eu colocava uma saia e uma camiseta mais ‘masculina’. E, aí, tentava sair na rua, mas não conseguia. Ficava com medo, assim, um pouco aflita. Daí, eu voltava para a minha casa, deitava na cama e me escondia. A transição foi um processo muito intenso. Às vezes é muito transformador e libertador, mas também dá medo, angústia, aflições, sabe?”, relembra Elis Rosa.
Rodeada por uma comunidade LGBTQIAPN+, ela foi encontrando cada vez mais força para assumir sua identidade. Nesse processo, a escolha do seu nome se deu como um renascimento. [Veja galeria de fotos ao final da reportagem]
A “gestação” do nome
“Eu costumo dizer que eu não escolhi meu primeiro nome, foi ele que me escolheu”, conta. O nome Elis surgiu “flutuando” espontaneamente em suas centenas de anotações durante a faculdade. Em um certo dia, ela resolveu escrevê-lo bem grande na parede do seu quarto. Foi quando ela soube que Elis era seu nome.
Já o “Rosa” é uma homenagem à bisavó, à orientadora da graduação e também à natureza. “Eu adoro as rosas. Sensíveis, fortes, mas que também têm espinhos. Simboliza muito quem eu sou.” Uma tatuagem de rosa na perna consagrou o batismo.
“Quando a gente escolhe o nome, a gente recomeça nossa história na Terra”, enfatiza.
Para ela, o nome vai além de uma formalidade. Não à toa, ela investiga esse tema desde a faculdade. Começou pelo nome social durante o TCC em Direito; e se aprofundou na retificação do nome, em seu mestrado em Antropologia Social.
Universidade como território de disputa
Elis Rosa dos Santos Simão fez história ao se tornar a primeira travesti negra a ingressar na Unicamp por meio da política de cotas para pessoas trans. O ingresso se deu em 2021, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) que, à época foi o primeiro da universidade a aprovar essa política de ação afirmativa.
Na Unicamp, cada instituto ou faculdade tem autonomia para definir quais cotas irá adotar na pós-graduação. Isso permitiu, por exemplo, que o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social implementasse a política de cotas para pessoas trans, mesmo antes de outros programas da universidade aderirem à política.
No entanto, essa lógica não se aplica à graduação, em que as decisões precisam ser tomadas de forma unificada pela instituição como um todo. Por isso, as cotas para pessoas trans só foram aprovadas em 2025, tornando a Unicamp a primeira universidade estadual de São Paulo a adotar essa política no vestibular. A conquista foi resultado de uma forte mobilização estudantil, com apoio também de servidores e docentes.
“É uma forma de reparação histórica. Por tanto tempo fomos excluídas desses espaços. As cotas nos permitem ocupar a universidade com nossos corpos, nossas epistemologias, nossa forma de lidar com o conhecimento”, defende Elis.
Para Michel Nicolau Neto, diretor-associado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), políticas afirmativas como essa beneficiam não só os estudantes contemplados, mas toda a universidade.
“São pessoas que trazem experiências únicas, um saber específico e uma produção de conhecimento refinada, que amplia e diversifica o ambiente acadêmico”, afirma o diretor.
Retificado seja o vosso nome
A pesquisadora Elis Rosa defendeu sua tese de mestrado em 2025 na Unicamp
Arquivo pessoal
A experiência pessoal de Elis virou objeto de pesquisa. Em sua dissertação de mestrado — intitulada “Retificado seja o vosso nome: uma etnografia sobre processos de nomeação na vida de pessoas trans e travestis” —, ela investiga os aspectos burocráticos, políticos e subjetivos envolvidos na escolha e retificação do nome.
“O título da dissertação é quase uma oração, não para um deus, mas para o Estado. Nós clamamos que nosso nome seja reconhecido”, relata a pesquisadora.
A autora acredita que o nome reflete identidade e dignidade. O reconhecimento pelo Estado dá força para enfrentar uma sociedade transfóbica.
“Nome de guerra”, nome social e retificação do nome
A pesquisa investiga a importância de mecanismos como: “nome de guerra”, nome social e a retificação do nome. Entenda o que é cada um desses conceitos, nas palavras da própria Elis Rosa.
“Nome de guerra”: é o nome utilizado pelas pessoas trans e também por mulheres cis no contexto da prostituição. No caso de pessoas trans, a nomeação geralmente é feita por travestis mais velhas, com base nas características físicas ou de personalidade da pessoa. Pode ocorrer de a pessoa se identificar a ponto de usá-lo também em outros contextos.
Nome social: é o nome escolhido por pessoas trans para serem reconhecidas socialmente, nas relações. Não é um apelido, nem um pseudônimo, é uma política específica voltada para pessoas trans. Pessoas cis não utilizam nome social. Pode ser acrescentado a alguns documentos, sem alterar substancialmente o original.
Retificação do nome: os documentos são alterados, sem nenhum sinal do nome anterior (ou “nome morto”). Desde 2018, pode ser feita em cartório por autodeclaração.
A retificação do nome em cartório foi um marco importante definido pelo STF. Antes disso, as pessoas trans que queriam ter seus nomes alterados em documentos tinham que abrir uma ação judicial e apresentar uma série de laudos (aos quais muitas pessoas nem tinham acesso) para o juizado decidir se elas estavam aptas ou não a alterar nome e gênero.
“Era um processo muito complexo, desgastante e humilhante também”, conta Elis.
Para Elis Rosa, a retificação é muito importante, pois é a sua identidade sendo reconhecida pelo Estado.
“É quem nós somos sendo reconhecidos pelo Estado. Independentemente do órgão genital, nós vamos lá e reivindicamos quem nós somos a partir da nossa auto-percepção de gênero. Isso nos traz dignidade, nos traz força, nos encoraja a enfrentar as adversidades dessa sociedade transfóbica. Traz uma tranquilidade você apresentar um documento que reflete a sua identidade”, desabafa a autora.
Certidão retificada da antropóloga Elis Rosa
Arquivo Pessoal
Da dor à potência: nomear é existir
Uma das pessoas analisadas na pesquisa de Elis foi Neon Cunha que, em 2016, acionou a Justiça para mudar o nome e gênero em um processo que ficou reconhecido internacionalmente.
Ela não tinha laudos nem cirurgias – exigências comuns à época e que hoje são consideradas invasivas. Como pedido subsidiário, solicitou o direito à morte assistida caso o Estado não reconhecesse seu nome e identidade.
“Ela tensionou os limites do direito. Preferia morrer a viver sem reconhecimento. Isso diz muito sobre o que está em jogo quando se nega a uma pessoa o direito de ser quem é”, analisa a antropóloga.
A estratégia política de Neon contribuiu para impulsionar o debate público que resultaria, dois anos depois, na decisão tomada pelo STF.
Além de Neon Cunha, ela também teve como interlocutoras em sua dissertação: Erika Hilton, Carolina Iara e Pedro Ferreira, já que todos eles passaram pelo uso do nome social e pela retificação em algum momento.
Transfobia nos ambientes institucionais
Apesar dos avanços, a autora considera a retificação apenas o começo e ressalta que os processos seguintes ainda precisam ser aprimorados.
“Há o custo da retificação, que muitas pessoas trans não conseguem pagar. E há a transfobia institucional. Acompanhei uma amiga em um cartório onde, mesmo ela sendo uma mulher trans, foi tratada no masculino pela atendente. Isso é transfobia”, relata.
Elis Rosa também denuncia o que chama de “lógica da suspeição”: “Mesmo sendo um direito por autodeclaração, somos tratadas com desconfiança. Como se nossa identidade fosse uma farsa.”
Para ela, todas as pessoas que trabalham em instituições com o público deveriam passar por um treinamento para evitar constrangimentos e preconceitos, especialmente contra a população LGBTQIAPN+.
A educação transforma o estigma
Filha de uma família preta, pobre e trabalhadora de Indaiatuba (SP), Elis Rosa enfrentou resistência ao iniciar a transição. “Minha mãe chorou quando contei. Meu pai ficou furioso. Ainda existe muito estigma, sobretudo sobre as travestis”, relembra Elis Rosa.
O processo foi doloroso, com muitas brigas, conflitos e “chororô”, mas evoluiu com o tempo. Bem, não apenas o tempo, mas também pela trajetória acadêmica de Elis, que contribuiu para transformar a percepção da família.
“Me ver evoluindo, assim, educacionalmente, fez com que meu pai olhasse pra minha identidade de uma forma mais positiva”, conta Elis Rosa.
Sua mãe, sua tia e suas irmãs assistiram à defesa de sua dissertação, em fevereiro deste ano na Unicamp. O pai não foi porque estava trabalhando, mas também deu apoio.
Apesar de não entender todo o “academiquês”, elas estavam lá orgulhosas, sendo uma rede de afeto e apoio importante para a estudante que, depois de se tornar mestre, agora já ingressou no doutorado.
Com orgulho, hoje ela diz: “Sou travesti, negra e acadêmica”.
Galeria de fotos
Dia 28 de junho é o Dia do Orgulho LGBT. A história de Elis Rosa é um símbolo de conquistas coletivas, de enfrentamentos, de reinvenção. E, acima de tudo, de esperança para que o nome, o corpo e a existência de pessoas trans sejam reconhecidos com respeito — nas universidades, nos cartórios, nas famílias e em toda a sociedade.
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